Recorte de Imprensa

Fonte:

Jornal de Angola

“O petróleo continua a ser um negócio atractivo”

O presidente da Associação das Empresas Prestadoras de Serviço à Indústria Petrolífera (AECIPA), Bráulio de Brito, considera que o desinvestimento das companhias petrolíferas estrangeiras no país, por causa do declínio da produção petrolífera, só acontece caso Angola deixe de ser um porto de negócios pouco atraente, mas nesta fase mantêm-se, em grande medida, os níveis de produção petrolífera, fazendo com que se goze de uma certa estabilidade no sector.

Que políticas ou medidas aplicadas foram influenciadas positivamente pela Associação das Empresas Prestadoras de Serviço da Indústria Petrolífera (AECIPA)?

A AECIPA é uma organização constituída pela maioria, senão por todas as empresas prestadoras de serviço do sector petrolífero, que tem como principal objectivo representar os seus membros na interacção com os principais decisores da indústria petrolífera ou com todos aqueles órgãos que de uma forma ou de outra têm acção ou influencia sobre a vida do sector de serviços desta indústria. Assim, ao longo dos tempos, temos efectivamente cooperado com todas essas instituições sempre que somos chamados para contribuir na formulação das principais políticas estratégicas ou aquelas que de uma forma ou de outra afectem o sector.

Poderia citar como exemplo, a nossa contribuição na elaboração do recente Decreto Presidencial 271/20 sobre o Conteúdo Local e na implementação do IVA e até mesmo da revisão da Nova Lei Tributária e ainda na melhoria da gestão dos vistos de trabalho. Nesse período pandémico, temos tido uma interacção estreita com os Ministérios da Saúde e dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, na mitigação e apoio à solução de todas as questões que dizem respeito ao nosso sector.

Portanto, iremos continuar a cooperar com todos as instituições afins, em representação dos nossos membros, para assegurarmos uma participação robusta das empresas do sector de serviços da indústria petrolífera e, assim, contribuir de forma dinâmica para o desenvolvimento económico e social do país.

O que determina a melhoria ou bom desempenho da indústria petrolífera angolana é o ambiente regulatório e tributário, assim como a estabilidade do preço do barril de petróleo. Não receie que esses eixos estejam comprometidos, sobretudo a execução dos serviços correntes e realização de mais investimentos em 2021 devido à Covid-19?

Com certeza. A pandemia veio efectivamente comprometer a operacionalização de toda uma série de projectos, não só na indústria petrolífera angolana, mas como sabemos, na vida económica e social de todo o mundo.

As recentes notícias e fantásticos desenvolvimentos científicos à volta da disponibilização das vacinas começam a permitir que voltemos às nossas mesas de projectos e comecemos a redefinir e implementar estratégias para a implementação de tudo o que estava em carteira.

Como avalia as interacções preço – procura -demanda, factores geopolíticos e outros que muito influenciam o presente e o futuro da indústria petrolífera e, por conseguinte, a economia mundial?

Essas interacções são muito dinâmicas e é sempre difícil fazer-se uma avaliação exacta da situação. De momento, a previsão é que o preço do barril de petróleo deverá aumentar. Aliás, como já vamos verificando nas bancas do mercado internacional, face à entrada em cena da vacina contra a Co-vid-19 e a consequente perspectiva do aumento da demanda. Prevê-se a retoma da mobilidade mundial (transportes aéreo, marítimo e terrestre), o aumento ou reinício de muita actividade industrial e todas as outras actividades comerciais que dinamizam o mundo. Com esses elementos, gera-se a perspectiva da demanda que se aliada à relativa estabilidade geopolítica mundial, temos aqui um cenário positivo para a indústria e, consequentemente, para as economias mundiais, com destaque para o nosso país, em função dos benefícios que a mesma traz face à da nossa dependência dessa commodity.

Como afirma que o sector petrolífero está estável se muitas plataformas de produção foram interrompidas em virtude da pandemia?

Bom, a mensagem aqui tem a ver com o funcionamento operacional da produção petrolífera em Angola. Como sabemos, a pandemia veio provocar uma rotura brutal na execução dos vários projectos em carteira e, consequentemente, o aumento de serviços e de produção que se antecipavam, não foram concretizados.

Contudo, graças às orientações e medidas bem específicas tomadas pelo Executivo Angolano, por via da Comissão Interministerial que coordena o combate à Covid-19, do Ministério de tutela e todos os principais órgãos da nossa indústria, foi possível manter-se em grande medida, os níveis de produção petrolífera de Angola. Portanto, neste sentido, dizemos que gozamos de estabilidade no sector.

Como vê a questão do desinvestimento, até 2030, de companhias estrangeiras no país por causa do declínio da produção petrolífera?

O desinvestimento só acontecerá se Angola deixar de ser um porto de negócios pouco atractivo, fazendo com que todas aquelas empresas e investidores procurem outras paragens. Como sabemos, o Executivo angolano tem estado a adoptar uma série de medidas, leis e regulamentos que efectivamente promovem e criam um bom ambiente de investimento estrangeiro em Angola. Sabemos também que esse ambiente ainda não é o ideal que muito mais ainda terá de ser feito para que Angola se torne um país ainda mais atractivo para o investimento estrangeiro.

Portanto, havendo esse progresso na melhoria do ambiente de negócios em Angola aliado ao grande potencial de força de trabalho jovem, recursos naturais ou petrolíferos no caso, estaremos sempre em condições de mitigar o declínio da produção petrolífera e termos essa nossa indústria a continuar a contribuir para o processo de diversificação económica do país por via do desenvolvimento profissional dos técnicos angolanos e distribuição da riqueza advinda desta produção petrolífera, na construção de mais hospitais, escolas, fábricas, etc.

Será que a migração dos investimentos do crude para as energias renováveis vai propiciar a transição possível nos próximos dez anos?

Penso que no contexto de Angola ainda teremos um caminho muito longo a percorrer para que se comece a falar de uma migração efectiva para as energias renováveis. Claro que este é um dos tópicos do momento e Angola não pode estar alheia à mesma. Contudo, temos claramente outras inúmeras prioridades que, na verdade, só após elas resolvidas permitem que se olhe para o processo de migração para as energias renováveis. Mesmo assim, é louvável notarmos o posicionamento do nosso país na abordagem desse assunto e os passos iniciais que vão sendo tomados para uma boa preparação para essa eventual transição.

Acredita que o país já estabeleceu uma base mais sólida para o futuro da indústria petrolífera?

Eu diria com toda a confiança, que sim. Temos uma boa base para o futuro da indústria petrolífera. Como sabemos, a nossa indústria petrolífera já funciona há mais de 40 anos e ao longo deste período, muitos ganhos, sucessos e progressos foram alcançados, quer na formação e desenvolvimento do capital humano, quer na transferência de tecnologia, como na própria instalação em Angola de muitos segmentos de serviços do sector. Porém, devo dizer que ainda temos muito mais por fazer. Ainda notamos que o leque de empresas genuinamente angolanas a operar nessa indústria ainda é muito reduzido. Temos também e certamente muita mais margem para termos um quadro de pessoal técnico mais abalizado e com ainda mais funções de responsabilidade e ainda temos um espaço amplo para termos mais negócio angolano dentro dessa indústria. Para isso, precisamos de continuar a melhorar o nosso ambiente regulatório, promover mais negócio interno e assegurar uma maior participação e cooperação da banca, no empoderamento do empresário angolano dedicado a esta indústria em particular e até em geral.

Como encara o papel da Agência Nacional de Petróleo e Gás e Biocombustíveis (ANPG) no contexto actual da economia nacional?

A ANPG é o órgão com a função concessionária da nossa indústria com um papel muito importante e específico, no contexto da indústria petrolífera e na economia angolana. Temos hoje, um órgão cuja criação vai realmente ao encontro das exigências do mercado, as boas práticas internacionais de negocio, assegura transparência e compliance na execução das actividades do sector e, por conseguinte, transmite à Nação e ao mundo, que Angola está efectivamente a mudar para melhor que o seu ambiente de negócios vai se tornando mais atractivo e alinhado a todos os bons procedimentos internacionais. A ANPG tem uma administração jovem, bastante conhecedora do sector e, como tal, é o suporte ideal e certo para que continuemos a ver um desenvolvimento adequado da nossa indústria petrolífera.

No sector de prestação de serviços houve uma redução considerável dos trabalhos e, por esta razão, também muitas empresas foram obrigadas a reduzir a força de trabalho. Na qualidade de líder associativo, como vê a questão do desemprego no sector dos petróleos?

O desemprego no sector dos petróleos acaba por ser sempre um reflexo do que se passa pelo país e no caso, o que se passa no sector a nível mundial. Com a baixa de serviços, por todas as razões que conhecemos, sendo a pandemia da Covid-19, a baixa do preço do barril de petróleo ou outras questões geopolíticas, as empresas são obrigadas a efectuar ajustes nas suas respectivas estruturas funcionais e, infelizmente, um dos segmentos que geralmente é o primeiro a ser afectado é o da força de trabalho.

O importante é termos sempre alguma ponderação na tomada deste tipo de decisões e tanto quanto for possível, minimizar o impacto na vida das pessoas. Por outro lado, devemos também estar atentos a outras oportunidades que os outros mercados de trabalho podem oferecer mesmo em períodos de baixa produtividade.

Os quadros da indústria petrolífera são sempre muito cobiçados dado as suas geralmente excelentes qualificações e experiências profissionais. Daí, podem sempre surgir oportunidades para os mesmos. Contudo, em resumo, esse é uma situação de difícil resolução, pois só se pode empregar alguém quando houver trabalho, para que a pessoa possa ser efectivamente remunerada.

Criaram-se 16 mil empregos proporcionados pela indústria petrolífera angolana. O processo de angolanização já tem a luz verde necessária ou ainda fica-se nas intenções ou promessas, a exemplo dos anos passados?

O processo de angolanização já vai em velocidade considerável há muitos anos. Não tem sido letra morta. Podemos não ter atingido os patamares preconizados, porém é já uma realidade, pois temos dados que confirmam tais feitos. Note-se, entretanto, que o meu conceito de angolanização não está apenas ligado ao em-prego de pessoal angolano. Angolanização é muito mais do que isso: Angolanizar é sim criar empregos aos nacionais, mas também transferir tecnologia, indústria, isto é, criar valor de angolanos para angolanos. E, nesse sentido, muito já foi feito.

Poderíamos com certeza ter feito muito mais, mas estamos onde estamos e vamos continuar a caminhar aprendendo com os erros do passado e as experiências que os outros nos proporcionam. Vemos, também, hoje, um reforço na estratégia do Executivo angolano na abordagem do processo de angolanização, com a introdução da Lei do Conteúdo Local, que obriga realmente a que se dê uma atenção, implementação e fiscalização redobradas a todo o processo de angolanização ou do Conteúdo Local.

Quantos membros a AECIPA controla em todo o país e o número de empresas encerradas em resultado da crise económica e financeira de 2014 e, por agravo, pela Covid-19?

A AECIPA controla mais de 150 empresas nacionais, todas ligadas ao sector de serviços que, na realidade, albergam toda a cadeia de valor da indústria petrolífera angolana, desde a exploração, passando pelo desenvolvimento e produção até à fase final, que é o abandono das instalações petrolíferas.

Como indicado anteriormente, a redução da actividade tem sempre a ver com as dinâmicas do mercado e, como tal, vemos sempre em momentos de crise que algumas empresas reduzem a dimensão das suas operações, reduzem o seu pessoal e outras mesmo, são obrigadas a fechar quando o seu nicho de mercado deixa de ser competitivo ou rentável. Em Angola, embora tenhamos tido muitas pessoas a perderem o seu emprego, devo dizer que não verificamos um número considerável de empresas a fechar. Fomos sim mais afectados com o despedimento de pessoal, quer seja angolano como também estrangeiro.

Como avaliou a operacionalidade do Centro de Apoio Empresarial (CAE) criado em 2005, pelo então Ministério dos Petróleos, Sonangol e quatro operadoras, nomeadamente, BP, Chevron, Total e Esso?

O CAE serviu o seu papel para os objectivos e período para o qual foi estabelecido. Diria que o CAE contribui muito para que muitas em-presas angolanas se organizassem e introduzissem padrões de organização administrativa de mais alto nível e, assim, poderem responder a muitas oportunidades de negócio dentro da indústria, que surgiram ao longo dos tempos. Adiantaria mesmo que em alguma medida contribui para a promoção de empresas angolanas no sector.
Hoje, a indústria, as exigências da indústria e do próprio ambiente do mercado são outras e como tal, vimos que os ajustes foram feitos e temos agora uma Agência Nacional de Petróleos e Biocombustíveis, uma recentemente promulgada Lei do Conteúdo Local, que vão, na realidade, coordenar e incorporar, respectivamente, o papel que o CAE exerceu até recentemente.

É um paradoxo falar-se constantemente de diversificação da economia sem a participação do sector de hidrocarbonetos?

Com certeza! A minha visão é que, para o caso de Angola, este sector deve ser realmente a plataforma para a diversificação económica. A indústria petrolífera, pela sua natureza operacional, cria toda uma rede de capital humano (empregos, formação e desenvolvimento profissional), por um lado e, por outro, cria também uma dinâmica de troca de serviços nacionais e internacionais, todos com exigências de eficiência muito elevadas, que acabam por estabelecer uma plataforma de recursos humanos, financeiros e de serviços, bastante robusta. Portanto, e embora pareça paradoxal, precisamos efectivamente de uma indústria petrolífera robusta e em crescimento para que os recursos daí advindos possam então ser subsequentemente partilhados, encaminhados ou aplicados noutros sectores da economia, de forma a alavancá-los, e a tornar esses outros sectores, igualmente mais eficientes, mais robustos e mais rentáveis. Assim, estaremos em presença de uma cadeia de criação de valor acrescentado por todo o país ou por toda a economia angolana que, com o decorrer do tempo, transformará a nossa economia menos dependente dos recursos petrolíferos, mas sim, teremos uma indústria petrolífera como um dos muitos pilares da economia e não o pilar quase único e fundamental para a sustentabilidade socioeconómica do país.

É funcional a criação de uma plataforma estratégica para negócios de angolanos como sendo um dos principais alicerces da estabilidade económico-social de Angola?

Sim, e nós vemos já essa estratégia por parte do Executivo Angolano, com a implementação do Decreto Presidencial sobre o Conteúdo Local, isto a nível da indústria petrolífera, a revisão da Lei sobre o Investimento Estrangeiro e muitos outros diplomas e acções que os vários Departamentos Ministeriais vão implementando à volta desta questão. Teremos também de ter em atenção que o sucesso desta estratégia depende, além das boas políticas governamentais, de uma dinâmica de negócios (mercado) forte que permita a interacção comercial entre os vários entes ou empresas. Precisamos igualmente de boas políticas e apoios das instituições financeiras, tais como créditos bancários, internos ou internacionais e, claro está, redes de comunicação e infraestruturas funcionais e eficientes.

O negócio de refinação é claramente lucrativo e estratégico, além de no caso de Angola, ser também um sector de geração de emprego. A aposta na construção de refinarias chega então em boa altura?

Com certeza. Os recursos de óleo e gás que Angola possui permitem que se desenvolva em Angola, um sector de refinação importantíssimo e estratégico, para o crescimento económico e social do país, pois, além dos produtos directos resultantes dessa indústria, devemos também realçar a criação de empregos e o respectivo crescimento profissional dos técnicos aí envolvidos, bem como o desenvolvimento de segmentos derivados, como a fabricação de fertilizantes para a agricultura, resultando em essência e a criação de valor acrescentado nas comunidades adjacentes a esses projectos nas províncias onde elas estão instaladas e para o país em geral.

Que futuro espera da indústria petrolífera angolana?

Ver uma indústria petrolífera angolana robusta e próspera que sirva para apoiar o programa de diversificação económica de Angola e contribuir para que o desenvolvimento social e económico do nosso país esteja apoiado em mais do que um pilar económico e não apenas nessa indústria.

Jornal de Angola, publicado em 4 de Janeiro de 2021